Por Samuel de Alcântara
Narrar uma boa história nem
sempre é fácil. Nunca se sabe até que ponto o que está sendo contado soa
convincente ou sem sentido. Nunca se sabe exatamente se o ouvinte está mesmo
percebendo e sentindo o que se quer passar. Mas há técnicas que podem ajudar
nessa questão, e o cinema é o meio mais eficaz e completo que um narrador pode
se utilizar para criar e montar sua história da maneira que achar melhor. O que
o diretor Ang Lee faz nesse longa é justamente abusar do mais robusto e
impressionante método existente para narrar as aventuras de um menino em
alto-mar na companhia de um tigre. E o resultado é belíssimo.
Baseado em um livro de mesmo
nome, que já foi considerado impossível de ser adaptado ao cinema, As Aventuras
de Pi conta a história de um menino que deve lutar pela sobrevivência no Oceano
Pacífico após sua embarcação naufragar em uma tempestade e perder toda a sua família. Muitos animais também
estavam a bordo, trazidos direto do zoológico indiano de seu pai rumo ao Canadá.
Os únicos sobreviventes da tragédia são Pi, uma zebra, um orangotango, uma
hiena e um tigre, que são renegados no infinito azul a bordo apenas de um barco
salva-vidas. Após alguns eventos, o único animal restante passa a ser o felino.
O garoto então, além de ter que lidar com a dor de sua perda e se concentrar em
sobreviver no meio do nada apenas com biscoitos e água, deve também ter que
aprender a se relacionar com o animal selvagem e dividir o pequeno espaço que
lhes resta. Porém, antes de toda essa aventura que se torna a premissa do filme,
há uma grande introdução sobre a vida prévia que Pi levava, desde a origem
curiosa de seu nome e suas tentativas frustradas para que seus colegas de
escola não o interpretassem pejorativamente, até o início de uma paixão
adolescente por uma garota. Mas o mais relevante é a construção da identidade
religiosa e espiritual de Pi, algo que repercutirá durante todo o longa e será
fundamental para sua perseverança pela vida. Essa primeira parte é extremamente
importante para o nosso apego ao personagem, além de ser muito bem narrada e
belamente construída.
Mas é quando o oceano se faz
vazio exceto por dois seres improváveis compartilhando uma pequena embarcação é
que a alma do filme desponta e a vida se torna, ao mesmo tempo, preciosa,
intensa e surpreendente. Os olhos agradecem o espetáculo visual a que somos
apresentados seja durante o dia ou sob a luz do luar. O que Pi presencia não se
sabe se é real ou fruto de sua imaginação, mas quem se importa, afinal é ali
que estão guardadas todas as belezas e emoções da vida, é ali que Pi se espanta
e se surpreende, se apavora e se maravilha, chora e se alivia. É ali que Pi
encontra a resposta que tanto queria, o sinal que buscava para entender o
sentido de sua existência, no reflexo do oceano e no dos olhos do tigre, que
ele garante ter sido indispensável à sua sobrevivência. Destaque para a cena
mais poética do filme, quando o tigre vê debaixo da água o que se confunde com
que a visão do próprio Pi, inexplicável mas sem a necessidade de um porquê,
apenas veja.
Não queira responder a pergunta
que Pi faz no final, se toda essa sua aventura é digna de crédito ou se não
passa apenas dos devaneios de um menino perdido que estava à procura de algo
maior. Para mim, o tigre de fato foi embora sem se despedir ou emitir sinal de
reconhecimento porque não passava mesmo de um animal selvagem, mas é totalmente
verossímil a frustração de Pi perante isso. É totalmente verossímil o que Pi
viu e sentiu, seja tudo aquilo acontecendo à sua volta ou dentro de si.
Mais do que uma simples aventura,
o filme é uma emocionante lição de coragem, esperança e fé passada ao público
da maneira mais impressionante e bela que a sétima arte poderia criar. Chega a
ser difícil falar da questão técnica diante da reflexão e subjetividade que o
filme proporciona, mas é inegável e óbvio que o primor visual do filme merece
todo o reconhecimento possível. Se nos perdemos no oceano, nos assustamos e nos
importamos com o tigre, e mergulhamos de cabeça em toda essa aventura é graças a
tamanha eficiência da direção de arte, fotografia, efeitos visuais e trilha
sonora do longa. Não se pode deixar uma moldura reluzente, um pincel de último
acabamento e suavidade e um quadro de tintas vivas nas mãos de um artista como
Ang Lee. O resultado não poderia ser melhor.
As Aventuras de Pi (Life of Pi). 127min. Aventura/Drama - 2012 (Estados Unidos).
Dirigido por Ang Lee. Escrito por David Magee e baseado no romance de Yann Martel.
Com Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Gerard Depardieu e Rafe Spall.
Dirigido por Ang Lee. Escrito por David Magee e baseado no romance de Yann Martel.
Com Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Gerard Depardieu e Rafe Spall.
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