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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Review: As Aventuras de Pi

Por Samuel de Alcântara

Narrar uma boa história nem sempre é fácil. Nunca se sabe até que ponto o que está sendo contado soa convincente ou sem sentido. Nunca se sabe exatamente se o ouvinte está mesmo percebendo e sentindo o que se quer passar. Mas há técnicas que podem ajudar nessa questão, e o cinema é o meio mais eficaz e completo que um narrador pode se utilizar para criar e montar sua história da maneira que achar melhor. O que o diretor Ang Lee faz nesse longa é justamente abusar do mais robusto e impressionante método existente para narrar as aventuras de um menino em alto-mar na companhia de um tigre. E o resultado é belíssimo.

Baseado em um livro de mesmo nome, que já foi considerado impossível de ser adaptado ao cinema, As Aventuras de Pi conta a história de um menino que deve lutar pela sobrevivência no Oceano Pacífico após sua embarcação naufragar em uma tempestade e perder  toda a sua família. Muitos animais também estavam a bordo, trazidos direto do zoológico indiano de seu pai rumo ao Canadá. Os únicos sobreviventes da tragédia são Pi, uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre, que são renegados no infinito azul a bordo apenas de um barco salva-vidas. Após alguns eventos, o único animal restante passa a ser o felino. O garoto então, além de ter que lidar com a dor de sua perda e se concentrar em sobreviver no meio do nada apenas com biscoitos e água, deve também ter que aprender a se relacionar com o animal selvagem e dividir o pequeno espaço que lhes resta. Porém, antes de toda essa aventura que se torna a premissa do filme, há uma grande introdução sobre a vida prévia que Pi levava, desde a origem curiosa de seu nome e suas tentativas frustradas para que seus colegas de escola não o interpretassem pejorativamente, até o início de uma paixão adolescente por uma garota. Mas o mais relevante é a construção da identidade religiosa e espiritual de Pi, algo que repercutirá durante todo o longa e será fundamental para sua perseverança pela vida. Essa primeira parte é extremamente importante para o nosso apego ao personagem, além de ser muito bem narrada e belamente construída.

Mas é quando o oceano se faz vazio exceto por dois seres improváveis compartilhando uma pequena embarcação é que a alma do filme desponta e a vida se torna, ao mesmo tempo, preciosa, intensa e surpreendente. Os olhos agradecem o espetáculo visual a que somos apresentados seja durante o dia ou sob a luz do luar. O que Pi presencia não se sabe se é real ou fruto de sua imaginação, mas quem se importa, afinal é ali que estão guardadas todas as belezas e emoções da vida, é ali que Pi se espanta e se surpreende, se apavora e se maravilha, chora e se alivia. É ali que Pi encontra a resposta que tanto queria, o sinal que buscava para entender o sentido de sua existência, no reflexo do oceano e no dos olhos do tigre, que ele garante ter sido indispensável à sua sobrevivência. Destaque para a cena mais poética do filme, quando o tigre vê debaixo da água o que se confunde com que a visão do próprio Pi, inexplicável mas sem a necessidade de um porquê, apenas veja.
Não queira responder a pergunta que Pi faz no final, se toda essa sua aventura é digna de crédito ou se não passa apenas dos devaneios de um menino perdido que estava à procura de algo maior. Para mim, o tigre de fato foi embora sem se despedir ou emitir sinal de reconhecimento porque não passava mesmo de um animal selvagem, mas é totalmente verossímil a frustração de Pi perante isso. É totalmente verossímil o que Pi viu e sentiu, seja tudo aquilo acontecendo à sua volta ou dentro de si. 

Mais do que uma simples aventura, o filme é uma emocionante lição de coragem, esperança e fé passada ao público da maneira mais impressionante e bela que a sétima arte poderia criar. Chega a ser difícil falar da questão técnica diante da reflexão e subjetividade que o filme proporciona, mas é inegável e óbvio que o primor visual do filme merece todo o reconhecimento possível. Se nos perdemos no oceano, nos assustamos e nos importamos com o tigre, e mergulhamos de cabeça em toda essa aventura é graças a tamanha eficiência da direção de arte, fotografia, efeitos visuais e trilha sonora do longa. Não se pode deixar uma moldura reluzente, um pincel de último acabamento e suavidade e um quadro de tintas vivas nas mãos de um artista como Ang Lee. O resultado não poderia ser melhor.

As Aventuras de Pi (Life of Pi). 127min. Aventura/Drama - 2012 (Estados Unidos).
Dirigido por Ang Lee. Escrito por David Magee e baseado no romance de Yann Martel.
Com Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Gerard Depardieu e Rafe Spall.